segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

George Harrison, seu tratante!

Hoje o ex-Beatle completaria 70 anos. Hare krishna, George! Amanhã, entretanto, será o aniversário de 32 anos de uma data que ele não gostaria de recordar. 

Em 1963, o grupo norte-americano The Chiffons gravou a canção He's So Fine, do compositor Ronnie Mack. Os direitos da canção pertenciam à Bright Tunes Editora. Você deve estar se perguntando quem são essas pessoas, que diabo de música é essa e por que cargas d'água estou mencionando esse pessoal todo. É que esse pessoal todo ganhou fama quando obteve êxito um certo processo movido contra George Harrison. Em 26 de fevereiro de 1981, após uma série de batalha judiciais, George finalmente abriu a carteira e indenizou a Bright Tunes pelo plágio inconsciente que resultou na maravilhosa My Sweet Lord.

A canção veio pra dizer que o rock não iria morrer, como profetizaram os mais pessimistas depois das mortes de Janis Joplin, Hendrix, Jim Morrison e do rompimento dos Beatles. O mundo precisava de My Sweet Lord, conforme comprovou seu sucesso imediato e mundial. Mas com o sucesso veio a dúvida: inicialmente foram os amigos de George. Depois os rumores caíram na mídia, e daí para os tribunais foi um pulo. O hit maior do ex-Beatle, comentava-se, era plágio. 

Depois de exaustivas audições, as tentativas de defesa falharam e em 7 de setembro de 1976 George foi condenado pelo plágio não intencional da canção de Ronnie Mack. George admitia a semelhança, embora sempre tenha dito que não houve intenção de cópia. A batalha só foi terminar em 1981, quando George finalmente desembolsou os 587 mil dólares que fizeram a alegria da Bright Tunes. O detalhe sórdido é que a grana foi parar direto nas mãos de Allen Klein. Allen havia sido empresário dos garotos de Liverpool, mas tornara-se figura queimadíssima no showbizz após alguma maracutaias, tendo inclusive passado férias na cadeia por sonegação. Era, provavelmente, o último homem a quem os Beatles gostariam de destinar os 587 mil, mas por capricho do destino, comprara a Bright Tunes pouco antes de o George receber o golpe de misericórdia.    

Agora é hora do nosso exercício de audição. He's So Fine ta aí, e você vai perceber a semelhança nos primeiros segundos. E na sequência, vamos ao que viemos e dá-lhe George Harrison em versão ao vivo desse clássico inspirador que todos amamos. O que é que a gente pode dizer de um cara desses? Hoje é seu aniversário, George, e ninguém se importa com o que tem de parecido com uma música tão bonita dessas. Hare krishna







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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O passado negro da Roberta Sá

Quando eu falei pra minha amiga Caroline Riley que eu tinha vontade de me inscrever no The Voice Brasil ela torceu o nariz e falou: "hum... eu imagino você uma coisa mais Roberta Sá". Eu comecei a rir e logo a Carol entendeu, porque eu contei pra ela que a Roberta tinha começado no Fama.

Foi em 2002, na segunda edição que ela apareceu, destoando radicalmente dos outros participantes e do formato pirofágico global. Eu me lembro que na página dela, dentro da página oficial do Fama, Roberta escreveu que seu ídolo era Chico Buarque. Os ídolos de quase todos os outros participantes eram seus respectivos progenitores. Cafona, né?

Bom, é claro que a moça não se deu muito bem. Na segunda edição, a Globo tirou dos jurados o poder de filtrar os candidatos, passando as escolhas a serem integralmente do público. O resultado é que o vencedor foi o Marcus Vinícius. Não é que ele fosse ruim, mas sabe-se que ele ganhou por um apelo emocional da emissora, que promoveu, durante as filmagens, o reencontro de Marcus com seu pai, que desaparecera quando ele tinha 14 anos. 

Fui reencontrar a Roberta no final de 2003, quando reconheci de imediato a voz que cantava A Vizinha do Lado, clássico de Dorival Caymmi que integrou a trilha da novela Celebridade [R.I.P. Laura Prudente da Costa]. A moça, que não precisava mais dar provas de seu talento, começava a mostrar a primorosa escolha de repertório que marcaria sua carreira. 

Mas ainda faltava chão pra ela estourar. Em 2004, foi contratada pra gravar um disco que seria brinde de uma empresa e não foi lançado comercialmente. Sambas e Bossas tem arranjos simples e delicados. É um disco bem gostoso, mas talvez um pouco repetitivo. E então chegamos em 2005! A Roberta deve ter penado um tanto pra se livrar do estigma de ter saído de um programa de calouros (né, Carol?). Mas parece que deu certo, porque Braseiro, seu disco de estreia, teve participação de MPB-4 e Ney Matogrosso. A moça sabe fazer amigos bacanas! Hoje é casada com o Pedro Luis (sim, o da Parede), recebeu Chico Buarque na gravação de seu DVD (realizando meu sonho e o dela) e vive cercada de gente do calibre de Hamilton de Hollanda - tido por muitos como o maior bandolinista vivo - e o Trio Madeira Brasil, com quem lançou o maravilhoso álbum Quando o Canto É Reza.

Infelizmente eu não achei quase nada da época do Fama. Vamos ficar com a interpretação ligeiramente cafona de Só Tinha de Ser com Você, do mestre Jobim. Depois a gente pede pra ela explicar a roupa e as reboladas.





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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Aulas de xadrez no escurinho do cinema


Prefácio de Letícia Bahia Diniz


Esse texto não é meu. Foi escrito pelo meu professor de xadrez, que além de professor de xadrez, é meu irmão. Transcrevo a seguir a troca de SMS na qual isso tudo começou: 

Guilherme Bahia: Peroba, não tô vendo o 10 pérolas avisar que hoje é aniversário da morte do Humphrey Bogart. Ainda dá tempo!

Eu: Mas eu não saberia fazer nenhum comentário sobre ele...

GB: Diz que ele era um bom enxadrista, razão pela qual Casablanca tem a cena de xadrez mais rica da história do cinema.

GB: Lança um desafio pro teu público dizer quais são essas metáforas. Interativo! 2.0!

Eu: Po, eu fiquei bem afim, mas vasculhei a internet e não consegui achar a tal cena... Por que você não escreve um texto sobre o xadrez no cinema?


***

A Defesa Francesa (Guilherme Bahia Diniz)

Os peões pretos são a linha Maginot. A linha Maginot era a defesa da França contra a invasão da Alemanha. Mas a linha Maginot parava na Bélgica, bem ali onde está o fim da linha de peões pretos. E é pela Bélgica que o cavalo branco ataca. O cavalo branco está contornando a linha Maginot como a Blitzkrieg contornou a linha de peões pretos em 1940.

Essa belíssima metáfora do xadrez foi levada ao cinema por Humphrey Bogart em Casablanca, filmado quando a Alemanha Nazista dominava toda a Europa e parecia invencível. Bogart era um grande enxadrista e soube usar as nuances desse jogo fascinante para fazer a posição no tabuleiro espelhar a guerra na Europa, da qual a cidade de Casablanca era uma porta de fuga. 

A foto reproduz parcialmente a posição do tabuleiro numa cena do filme. Quem joga xadrez já pressentiu que a metáfora vai mais longe, porque a posição das pretas parece uma abertura chamada Defesa Francesa. Parece e é. Nada disso é fácil de perceber, porque na cena o tabuleiro aparece pouco e de um ângulo não muito favorável. Quem nos socorre é o excelente artigo A French Defense From Casablanca, que conseguiu deduzir a posição das peças (o link do artigo também mostra a cena, que é difícil de achar no YouTube).

Seria a extrema sutileza parte da genialidade? Seria demais querer a Defesa Francesa no nome do filme? Fico a lembrar de um outro, que teve “defesa” no nome. A Defesa Luzhin é sobre um gênio do xadrez atormentado por distúrbios mentais. A história original foi escrita por Vladimir Nabokov, que nas horas vagas compunha problemas do tipo “mate em tantos lances” ou “jogam as brancas e ganham”. 

A Defesa Luzhin não existe no xadrez, mas existe dramaticamente nos conflitos desse personagem com o mundo. Luzhin era um homem esmagado pela genialidade, nas palavras do próprio Nabokov. A defesa dele é uma fuga, tão dramática e bela que sua sequência de lances mais genial (mostrada no filme!) foi executada por sua noiva, que sequer sabia jogar xadrez, porque ele morreu depois de escrever a sequência num papel. Se jogasse xadrez com a Morte, como fez o protagonista de O Sétimo Selo, Luzhin poderia vencer. Mas provavelmente preferiria fugir. 



Casablanca também é sobre fuga. Não uma fuga de si mesmo, mas de uma nova realidade, desesperadora, que havia engolido a Europa. Os franceses haviam fugido em Dunquerque como exército encurralado, e fugiam em Casablanca como órfãos de um mundo que desmoronava. “Sempre teremos Paris”, disse Rick a Ilsa. Mas como, se a Defesa Francesa falhou?




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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Noel Rosa, o Poeta da Vila

Apenas vinte e seis aninhos tinha Noel Rosa quando a tuberculose o levou. O bicho era feio, mas feio mesmo. Nasceu há exatos cento e dois anos. A fórceps, e com uma má formação na mandíbula que lhe garantiu o peculiar rosto quase sem queixo. Era magrinho que só! Um fiapo de gente! Dinheiro também não tinha: demoraria ainda muito tempo pra que músico começasse a ganhar dinheiro com música. 

Noel Rosa, Poeta da Vila

Mas, como a todo bom artista, mulheres não lhe faltaram. Casou-se com a bela Lindaura (com esse nome, ainda bem que era bonita!), mas seu grande amor foi a prostituta Ceci, que Noel homenageou com o sambinha Dama do Cabaré. Com ela Noel passava noites regadas a muita bebida e cigarros, protagonizando uma infinidade de causos daquele caldeirão cultural que era a Lapa carioca.

Dama do Cabaré - Orlando Silva

Travou um frutífero duelo musical com Wilson Batista, de que resultou um sem-fim de sambinhas que nunca pararam de ser regravados, como Feitiço da Vila e Palpite Infeliz. Suas marchinhas também continuam ecoando ano após ano no Carnaval carioca. Aqui escolhemos a saborosa Pierrot Apaixonado, história de amor executada pelo grande Heitor dos Prazeres, parceiro de Noel na composição. Mais uma pérola do baú da TV Cultura.


Feitiço da Vila - Rosa Passos


Palpite da Vila - Lisa Ono


Pierrot Apaixonado - Heitor dos Prazeres


Já no fim de sua vida, Noel foi a BH respirar um pouco de ar puro e afastar-se da vida boêmia, seguindo recomendações de seu médico. Da capital mineira o Poeta da Vila Izabel escreveu para o médico os seguintes versos: "Já apresento melhoras/Pois levanto muito cedo/E deitar às nove horas/Para mim é um brinquedo/A injeção me tortura/E muito medo me mete/Mas a minha temperatura/Não passa de trinta e sete/Creio que fiz muito mal/Em desprezar o cigarro/Pois não há material/Para o exame de escarro".



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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Carmen Miranda ainda hoje

Caetano Veloso, Marisa Monte, Daniela Mercury, Ney Matogrosso, Adriana Calcanhoto, Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Bebel Gilberto, Elis Regina e Gal Costa: este são alguns dos milhares de artistas que já regravaram canções celebrizadas por Carmen Miranda. Ainda assim é difícil compreender, com o olhar de hoje, o que diabos é que essa baiana tem. 

A primeira coisa a ser dita é que Carmen nasceu em Portugal. Mas tudo bem, não precisamos dividir as glórias com os portugas porque ela veio pra cá muito pequena e o Brasil sempre foi o país do seu coração. A segunda coisa a dizer é que Carmen, se fosse brasileira, não seria baiana. Ela cresceu na Lapa carioca, que nos anos 1910 e 1920 era aquele caldeirão cultural fervilhante que a gente conhece das músicas do Chico Buarque. Estamos falando da época em que o samba ainda era pecado e nos salões da alta sociedade o que se bailava era música gringa.

A pequena notável apropriou-se de toda essa sopa cultural e fez-se a primeira artista multimídia do Brasil. Além de cantar, dançar e atuar, transitava com facilidade pelo que viria a se tornar a indústria cultural. Sua projeção internacional até hoje não é comparável à de nenhum outro artista brasileiro  você conhece alguém mais que tenha virado desenho da Disney?

Mas a Carmen Miranda dos americanos mostrava um Brasil cheio de latinidades, misturando no mesmo balaio Rio, Bahia e pitadas de salsa. Incentivada pelos produtores americanos, carregava nos trejeitos e no sotaque, embora falasse inglês muito bem. Foi, por isso, acusada de acentuar o esterótipo brasileiro e de servir de instrumento para a estratégia americana da boa vizinhança, que precedeu a Segunda Guerra. Esse assunto é abordado com mais profundidade na postagem sobre o Zé Carioca

Da controvérsia veio um de seus maiores clássicos, Disseram Que Voltei Americanizada, gravado posteriormente por Caetano Veloso, Roberta Sá, Adriana Calcanhoto e muitos outros. 

Como toda estrela que se preze, Carmen partiu jovem e sozinha. Estava afogada entre compromissos de trabalho e remédios, e em 1955 morreu aos 46 anos.

Escolhi o trecho de abertura no filme That Night in Rio (1941). Carmen que me desculpe, mas é transbordante a presença do elemento político pré-guerra nessa cena. Na sequência Roberta Sá nos mostra sua versão para Disseram Que voltei Americanizada. O vídeo é parte de um especial que celebrou o centenário da estrela.
   




   

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Barbatuques, Julien Neel & Nick McKaig e o instrumento corpo

A capella é uma expressão de origem italiana que designa a música executada tão somente pela voz, sem o acompanhamento de instrumentos. A coisa começou com o canto gregoriano lá no século VI. Mas hoje a gente não quer falar de história. A gente quer falar sobre as brincadeiras de um pessoal que vive de explorar o instrumento corpo e todos os infinitos sons que ele pode produzir. 

A gente vai começar com os Barbatuques e a música Bainá. Como sugere o nome, o grupo vai muito além do canto a capella, descobrindo os diferentes timbres desse instrumento de percussão chamado corpo, que eu tenho e você também. Já estive em show deles e é uma delícia. Além de ser um deslumbramento auditivo, faz a gente descobrir nosso próprio instrumento, porque eles são generosos e botam a platéia pra tocar com eles!

Segundamente, uma versão a capella mesmo, só com vocais, do francês Julien Neel com o norte-americano Nick McKaig. Coisa de louco o que esses meninos fizeram! Simplesmente um pout-pourri de todas as musiquinhas do Mario Bross. Espere até eles te levarem para as fases do mundo das águas! 

E bora cantar!





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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Saravacalé - a mistura do samba com flamenco


Foi no samba da Praça Roosevelt que o Saravacalé apareceu pra mim. É que lá eu conheci um moço que também tem um blog: o Samba con Flamenco. O moço é carioca e veio trabalhar em Sampa depois de uns 10 anos entre Alemanha e Espanha. Neste último país ele procurou muitíssimo essa mistura sonora que lhe parecia um casamento perfeito: samba + flamenco! Mas nada de o moço achar. Foi somente quando ele começou suas escrivinhações que, por acaso, alguém achou pertinente apresentar o Saravacalé ao autor do Samba con Flamenco.

Duas vocalistas com pinta de gatinha entoam clássicos da música flamenca que eu desconheço e uma porção de sambinhas que todos nós conhecemos. A espanhola se rasga no sofrimento visceral do ritmo ibérico, enquanto a brasileira, não menos afinada, põe no tempero a malemolência do samba. No samba de Vinícius, castanholas, e o pandeiro impõe o andamento ao violão flamenco. O carioca tinha razão, muy rico este samba do crioulo doido! Ele entrevistou a voz flamenca da banda e contou toda a história do surgimento da mistura, então chega de plagiar o conteúdo dele, né? Tá aqui pra quem quiser.

E vamos de música, ¿si?

Rosa Morena


Falta Pouco


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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Elas nunca se entenderão (e se entendem todo dia)


- Mas então quer dizer que a Fefê é lésbica, filha?
- O que foi que eu acabei de dizer, mãe?
- Que ela é lésbica, que beijou uma moça!
- Eu disse que a Fefê está namorando a Ana. Ponto.
- ... não entendi...
- Mãe, ela está namorando a Ana, antes namorou o Paulo e sei lá quem vai namorar depois!
- Mas então a pessoa vira lésbica? Não nasce lésbica? E depois pode virar ex-lésbica?
- Mãe, por que é que você tem que colocar etiqueta em todo mundo?
- Etiqueta? Estou confusa... lésbica não é mulher que gosta de mulher?
- Como você é simplista.
- Filha, estou tentando entender! Não sei como funciona! É uma coisa que a pessoa escolhe?
- Escolhe?! Escolhe o quê, mãe???
- Se vai ser gay, se vai ser lésbica! Não falam que é a opção sexual da pessoa?
- Vixe, mãe...
- Sério, filha, me explica! O que é ser lésbica?
- “Lésbica” é um rótulo, mãe, não serve pra nada.
- Filha, etimologicamente, “lésbica” vem de “Lesbos”, a ilha grega em que moravam as Amazonas...
- Mãe, pára!
- O quê? O que foi?
- ...
- Tá bom, tá bom. Deixa eu pensar... O Ricky Martin. O Ricky Martin é gay, não é? É sim, eu lembro quando ele saiu do armário, deu na TV.
- E o Ronaldo, mãe? O Ronaldo é gay?
- O Ronaldo?
- É, mãe, o Fenômeno.
- O Ronaldo é casado! Pai de família!
- Lembra daquela história com os travestis?
- Ai... teve isso, né...
- Teve, mãe, teve isso.
- O Ronaldo é gay, filha?
- Mãe, o Ronaldo é o Ronaldo! Casou, teve filho, separou, saiu com travesti – ou não, sei lá – depois casou de novo... A Fefê é a Fefê e eu sou eu!
- Você está dizendo que gay não existe? Nem lésbica?
- Ai, mãe, chega. Fica aí com as suas etiquetas. Tô saindo, vou encontrar o pessoal.
- A Fefê?
- Tchau, mãe.

***

- Filha...
- Oi, mãe?
- Eu queria te dizer uma coisa...
- Fala, mãe.
- É sobre aquela conversa que tivemos no outro dia...
- Que conversa?
- De gay, de lésbica...
- A conversa das etiquetas?
- É... isso...
- Mãe, desembucha.
- Filha, eu quero que você saiba que a mamãe te ama muito e vai te amar pra sempre, não importa o que aconteça. E você pode me contar qualquer coisa que a mamãe vai sempre sempre te apoiar, tá bom?
- Nossa, mãe, pirou, hein?
- Filha, espera!
- To saindo, mãe, vou encontrar uma amiga.
- Uma amiga? A Fefê?
- Tchau, mãe.




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terça-feira, 6 de novembro de 2012

La Cumparsita - Gerardo Matos

Perdoem-me os hermanos, mas verdade seja dita: é uruguaio o tango mais famoso do mundo. 

Apenas 17 anos tinha o rapazote Gerardo Matos quando o compôs, em 1917. O pessoal do café La Giralda, em Montevidéu, até que gostou e La Cumparsita fez algum sucesso no Uruguai. Mal sabia Gerardo o que estava acontecendo com seu tango mundo afora.

O sucesso em Buenos Aires foi enorme, mas o verdadeiro estouro deu-se em Paris. Gerardo, que ainda aos 17 vendeu seus direitos autorais  por 20 pesos, conta-se!  foi à Cidade Luz para descobrir que seu tango era tocado em cada esquina, porém com letra diferente da que ele compusera em 1917. 

Depois de três batalhas judiciais, finalmente em 1948 um acordo entre todos os compositores e letristas que deram algum pitaco em La Cumparsita pôs um ponto final nas brigas, decidindo quem receberia os royalties para cada tipo de execução do clássico.

Ainda hoje, no entanto, há controvérsias sobre a autoria deste tango uruguaio. Se alguns creditam-no integralmente a Gerardo, outros afirmam que um pianista tão inexperiente não poderia tê-lo composto sozinho, e que Roberto Firpo  supostamente o primeiro a executá-la  teria tido grande participação na harmonia.

Historinhas à parte, fato é que La Cumparsita garantiu seu lugar de honra nas controversas listas das músicas mais executadas de todos os tempos, competindo com gigantes como Yesterday e Garota de Ipanema. Aqui iremos saboreá-la no Teatro Colón, em Buenos Aires, executada pelo grupo Cafe de los Maestros com a orquestra Juán D'Arienzo.  





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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Bolero de Ravel - Sergiu Celibidache

Fiquei extasiada quando vi o Celibidache pela primeira vez. Sigo em êxtase a cada vez que o revejo, e reencontro o mesmo fascínio nos olhos dos amigos pra quem já tive o prazer de mostrar essa imensa pérola. 

Muitos me perguntam por que eu ainda não tinha postado esse vídeo. Não tenho resposta para isso. Simplesmente não sentia que fosse a hora. Ainda não me era possível escrever a apresentação digna. Quem acompanha o blog sabe que não se trata apenas de adicionar mais um vídeo. Não, eu me compartilho um pouco através de cada pérola. Acho que estávamos amadurecendo, eu e a pérola.  

Eu tinha pensado em escrever uma breve apresentação biográfica desse incrível maestro. Mas não é isso que importa. O Celibidache não está no blog pelos cargos importantes que ocupou nas mais prestigiadas orquestras da Europa, nem pela profundidade azul-escuro de seus conhecimentos musicais. Na verdade, o deslumbramento está no oposto disso. Ele está aqui pela entrega comprometida a cada nota, pela permeabilidade ao invisível, por algo que está ao alcance de todos, mas que não se ensina e não se aprende: se é.  

Uma vez assisti a uma entrevista em que lhe perguntaram: "como você faz isso?". Com seu inglês macarrônico do leste europeu, o maestro respondeu: "you don't do anything. You let it envolves you".


Sergiu Celibidache conduz a Sinfônica Nacional Dinamarquesa, 1971
  

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terça-feira, 23 de outubro de 2012

A bunda do Dali


Contou-me uma professora de História que brasileiro gosta tanto assim de bunda por causa da escravidão. É que os homens de cor clara queriam muito distrair-se com alguma negrinha, mas viravam-nas de costas pra deixar o coito mais impessoal. Faz sentido, já que as teorias evolucionistas percorrem o caminho inverso pra explicar o surgimento do amor: na medida em que a nossa postura foi ficando mais ereta, inventamos a posição sexual que permite o olho no olho e que é privilégio exclusivo da espécie humana. E quando nos olhamos nos olhos... Razoável então supor que os portugas, muito bem casado com suas bigodudas de mesma cor, expressassem seu interesse meramente carnal reposicionando suas negrinhas na posição primitiva. E foi assim que a bunda garantiu seu lugar na vista panorâmica do brasileiro e entrou para o panteão dos desejos nacionais.

Infelizmente a hipótese da minha professora não é verificável. Mas não importa. Ela pode não estar certa quanto ao porquê, mas ninguém discute o poder de uma bunda, que eu mesma pude verificar essa semana.

Em 1925 Dali pintou Moça à Janela, possivelmente a minha tela favorita dele. Acho de uma poesia ímpar que ele nos mostre não a moça, mas o que a moça contempla. A imagem é um convite para a abertura, para ampliar olhares e perder-se no horizonte. Já há alguns anos penso em colocar um pôster da Moça no meu consultório de Psicologia. São muito parecidos os convites, o lançar-se do Dali e a descoberta do novo que eu proponho aos meus pacientes.

Dali e Psicologia


O Dali ainda não foi parar nas minhas paredes, mas foi a imagem que escolhi para a página inicial do meu site, que venho construindo nas últimas semanas. Terminei o esqueleto e encaminhei o link a alguns queridos, pedindo opiniões honestas sobre suas impressões.

Foi chocante. Eu havia me esquecido do que me contara a professora de História do colegial, e fiquei perplexa com o comentário geral sobre o Dali. “É muito bonito”, disseram, “poético e sugestivo... mas que bundinha, hein?”! Na primeira vez eu relutei. A segunda me chegou com explicações psicanalíticas de alto calibre, e eu comecei a suspeitar que o convite do Dali fosse outro. Contei o ocorrido ao meu irmão e ele deu-me o golpe de misericórdia: “eu não queria dizer nada, mas foi a primeira coisa em que pensei”.

Absolutamente resignada, recomecei minhas buscas pela imagem ideal. Dá-lhe Google, cheguei em O Livro Árvore, outro Dali. Tem também janela, amplidão de horizonte, azul que descansa a vista, mas a imagem ideal, a minha imagem ideal, eu já encontrara e era a tanajura do Dali. 


Depois da angústia veio a decisão. Munida de minha versão mais castradora triunfei sadicamente sobre os portugueses, sobre os psicanalistas e sobre o meu irmão; em nome das negrinhas, das fêmeas dos animais e da Moça eu me vinguei: cortei a bunda do Dali! E pronto, está inaugurado o meu site! 



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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Zé Carioca canta Ary Barroso e Caymmi


Joe Carioca, aqui conhecido como Zé Carioca, nasceu no início da década de 1940, depois que o Valdisney veio visitar o Rio. O hemisfério norte começava a descobrir nossa cultura, e a música brasileira começava a ganhar o reconhecimento que dali em diante só faria crescer. Pra se ter uma ideia, Carmen Miranda Miranda fez sua primeira apresentação nos EUA em 1939. 

Hora de lembrar das aulinhas de História: no mesmo 1939 a Alemanha invadiu a Polônia, marcando o início da Segunda Guerra. Os americanos, muito espertinhos que são, acharam boa ideia fazer amigos aqui no cone sul. Essa política externa, executada pelo então presidente Roosevelt, ficou conhecida como Good Neighbor Policy. Disney não dá ponto sem nó, malandro! Imagina o ufanismo da geral quando o Zé começou a cantar Caymmi para o Pato Donald! Que bonita essa amizade! Sorte nossa, que aprendemos e ensinamos muito com o intercâmbio musical que começou a rolar a partir de então. Sorte nossa, que não percebemos a chacota do Valdisney: ele escolheu um papagaio  um papagaio!, quer que eu repita?  pra representar o Brazil-zil-zil. Era um baita dum malandro, esse Zé! Mas a gente gostou... ele é caloteiro e beberrão, há que se admitir, mas o Zé também é cativante, alegre, tem aquela malemolência também conhecida como, ops!, "jeitinho brasileiro"!

E vamos ao que viemos: no primeiro vídeo, de 1942, o Zé vai cantar Aquarela do Brasil e Tico-tico no Fubá, além de brindar o Pato Donald com um tour pela Cidade Maravilhosa. O segundo vídeo é de 1944, e nele o nosso papagaio entoa Na Baixa do Sapateiro e Você Já Foi À Bahia, com direito a vista panorâmica do Pelourinho. E dá-lhe Disney!










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